terça-feira, 28 de agosto de 2007

“DOBRA NO MAR”

Era preciso ir até lá, até o mar. Revirar todas as consciências pendentes e entregar-se. As malas a pesar, suor a escorrer, sandálias a queimar os pés de quem não sabe onde pode chegar e, por isso, continua a andar, correr. Sem saber (ou perceber) que o destino é você.

Esperar um retoque e cumprimento do vento nos cabelos, da saudade no peito a coroar com um suspiro, essa vinda de longe. Saudação sem nem acreditar. Ali, diante de tudo e de nada, ela desacredita, pára, espera, sem pestanejar, com todo o tempo a seu dispor, com todo sabor de luta e coragem a fugir, sem querer mais destino algum que tivera a planejar.

Descer e esperar, cansar para moldar um estranho sentimento que a faz sofrer. Estou sem rumo? Pergunta-se esquecendo de que toda jornada seria em vão, caso tivesse realmente a escolher um caminho de volta, uma página virada para agendar o amanhã.

Remando um vôo ao encontro de si e dessa solidão que não pretende mais largar. No mar, a dobra lhe orienta o rumo, o remo não segue suas ordens - nem ao implorar-lhe. Desistir é processo fundamental para alcançar. Desistir para libertar-se. Enfim a sós, consigo e com uma história que carrega somente seus dedos, cabelos e sons. Na areia, pisar a terra como um retirante, caminhar até estar só e entregar-se.


“DOBRA NO MAR”

EXT. MARCO ZERO. DIA
MULHER, 20, carrega malas enquanto se dirige ao parapeito. Ela está suada.

EXT. BANCO PARAPEITO. DIA
Mulher fica diante do mar. Deixa as malas caírem. Encara o mar por uns instantes (sem acreditar). Mulher senta-se no banco, de costas para o mar, e acende um cigarro.

EXT. ESCADAS. DIA.
Mulher desde as escadas segurando as duas malas.

EXT. BARCO. DIA
Mulher rema com dificuldade, rindo.

EXT. BARCO. DIA
Remos estão dentro do barco. Mulher arranca folhas de uma agenda, molha-as na água, e põe todas de volta dentro do barco.

EXT. BARCO. DIA
Mulher rema sem dificuldade, séria. Vai até a areia, pára o barco, desce.

EXT. OUTRO LADO DO MARCO ZERO. DIA
Mulher tira as sandálias, deixa as malas e caminha em direção ao nada.

sábado, 25 de agosto de 2007

"NARRADOR"

INT. QUARTO. NOITE
MULHER (21) deitada na cama de solteiro. Mulher em pé, andando pelo quarto. Mulher sentada no chão. Mulher abre o guarda-roupas e o CELULAR TOCA. Ela olha, abre o flip. Narrador chamando. Mulher não atende. Volta para o guarda-roupas.

NARRADOR
Não sabe, Não soube, Não sei


EXT. PISCINA. MANHÃ
Mulher entra na piscina suja e fica boiando. Ela está de óculos.

NARRADOR
e qualquer outra história que
não me faça mais sofrer de vontade


INT. QUARTO. NOITE
Mulher, com outra roupa, acende um cigarro. Caixas estão espalhadas pelo quarto, no lugar da cama, empilhadas próximo à parede, perto da janela, etc. Várias televisões mostram vídeos da Mulher e FAMÍLIA, com AMIGOS, no TRABALHO. Mulher entra no quarto com a roupa de antes e fica se vendo fumando um cigarro no meio das caixas e televisões.

NARRADOR
solte-me das garras da felicidade

Luz apaga-se.


INT. QUARTO 2. MANHÃ
Mulher acorda e se vê, pelo espelho, algemada à cama de solteiro com uma roupa diferente. Ela grita, tentando se soltar.

MULHER
AAAAAAAH

NARRADOR
surpreenda-se por caber nesse
destino, como se tivesse inventado


Mulher pára de se debater e deita-se, ainda algemada.


INT. SALA. NOITE
Mulher está sentada diante de uma mesa posta sem comida numa sala enfeitada com motivos natalinos. Ela finge comer comida nenhuma. SILÊNCIO.

NARRADOR
Você sabe?

Mulher sorri.

domingo, 19 de agosto de 2007

palavrinha espetáculo que transborda na piscina suja
somente as margaridas rosadas - e mais ninguémpor perto
e qualquer outra história que não me faça mais
querer um adeus
sofrer de vontade

o ar é grávido de deuses malucos
o mar é outono de álcool
liberdade é saber que, se existe um instante, esse é seu
egoísmo é querer oferecê-lo a ti
prostar-me diante da regra,
soldando toda e qualquer articulação que tenha
que a faça andar

solte-me das garras da felicidade
melhor é ser triste, drogado, indeciso fechado
cuidado é des-viver, sarar é esquecer
os restos, são manifestos de outra autoridade

sábado, 11 de agosto de 2007

mas era tudo mentira

Não se atreveria a ponto de olhar-me com tamanha ferida exposta. Doía tanto, não sabia se nela ou em mim - talvez fosse o ar quem sofresse. E saí daquela rua sentindo uma mistura embriagante por dentro. Passaria ainda por algumas outras esquinas até esquecer a criança com cujos sentimentos experimentei.

Agora, já era noite há bastante tempo e eu devia estar andando há mais de duas horas. Pés no chão, treze reais mais o orgulho de ter saído de casa no bolso. Eu nem pensava mais na confusão daquelas paredes ou me sentia tão livre e independente quanto algumas horas atrás. Pensava na menina e eu era a menina também. Eu era meu pai e minha mãe, além e ser um pouco de cada irmã.

Elas me diziam às vezes "não é nada, não. não se preocupe" quando eu era mais novo. Acreditava ter obtido tal resposta por causa da minha pouca idade. Idiota achar que o tempo mudaria o teor das frases e conversas. Mais pessoas diziam a mesma coisa e aprendi a falsificar o mesmo quando perguntado. Mentia "tudo bom" quando acenavam oi. Aprendia aos poucos a guardar as emoções tristes e a chorar escondido.